quarta-feira, 26 de julho de 2017

A METAMORFOSE CÉREBRO-GRIPAL ( VI, VII, VIII )



Diário do Doutor Araújo Mil Acres, médico cirurgião da palavra mais estranha.





6. OS SACRIFÍCIOS DE UM MÉDICO
(diário camoniano mas à prova de água)










…ao diário então voltei,

doente, débil
molestado pela agonia
enfraquecido, pelas febres comido
de dia para dia
em noites de demência, medo e diabrura,
que aquele diário me pareceu só fel e amargura
como um diário de bordo
do bom, do mau ou de quais
isso não o sei,
de tão enjoado estava e enojado
que o estilo desenhado
da minha própria caligrafia
me lembravam ondas e balanços,
terríveis fedores de lodaçais podres
em horas de maresia
que para ser auxiliado
nesta demanda de cruzado
o gregório chamei

e nos joelhos e na púbis e no abdómen e nos cotovelos
com a tromba com a testa com a próstata e tornozelos,
às vezes e vezes e sem conta mais ainda vezes encostei
na coberta apostei, implorei, vomitei, agonizei, enfim, regurgitei
cantando,


cantando muito, assim:

               Gregóooooorio… do Grego
               Gregóoooorio… no rio
               Gregóooorio… tão frio
               Gregóoorio… notório
               Gregóorio… caí
               Gregório… de grogue
               Regório… a fio
               Egório… of poached eggs
               Gório… velório?
               Ório… fodi
               Óri… p’ra ti
               Ór… as e horas
               Ó… Gregóooooorio !!


mas ao vómito gripal sobrevivi.




7. RECEITA PARA DAR VIDA A UM GREGÓRIO
(o novo ser mitológico)



fosse indigesto, torpe, mesquinho e cruel, 
o famoso Pantagruel,
me recomendasse uma “Massada Vil
au Camarão do Tejo Caril”,
ou um bechamel em infectada
“Tainha Sodré Recheada”,
e, de modo algum um dia,
em tão maus lençóis cairia
como enquanto naquela coberta batia,
às portas da mitologia…

…Portuguesmente se sinta
e Almadanadamente se pense
que o Gregório se tornou gente.





8. ALGUNS ANOS LUZ MAIS TARDE
(na continuação do episódio anterior)

E foi aqui em Portugal
em tempos de epidemia
metamorfósica cérebro-gripal
que, topessecretamente documentado pela generosa CIA,

aquele a quem chamavam “vomitado”
e que simplesmente consistia
no acto de de dentro de nós ser lançado
e pelos ébrios jovens da época se via
agora terrivelmente alcunhado
nas bordas de qualquer pia
por Gregório, o Mal-amado,
que esta figura da mitologia
se viu finalmente nado.


Consiste simplesmente
num ser que, felizmente,
não fala e nem sequer mente
apenas se desenvolve em ácidas entranhas
enquanto gera indisposições estranhas
como se pelo esófago hospedeiro trepassem aranhas
obriga a vítima a contínuos movimentos peristálticos
incessantes desenvolvimentos nevrálgicos
contínuas convulsões lamentos terríficos
mas, contudo, por assim dizer,
após do suado corpo da vítima se ter auto-expelido
fêmeas houve que o oscularam gritando “marido”
e machos fortes lhe chamaram: “filho querido”,
que este gástrico ser imediatamente se convenceu
face aos narcísicos mimos de todo aquele que à luz o deu
que o velho Gonduana e Mundi podia ser todo seu.


Araújo Mil Acres (12.1999)


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