domingo, 30 de julho de 2017

O HOMEM DOS LIVROS IA FICANDO SEM PEQUENO-ALMOÇO, por Vasco deOliveiraVentura


Cronista Sem Abrigo

"Onde se abrigam as crónicas sem abrigo." 

A noite encontra-me do outro lado do rio, num espectáculo de Manuel João Vieira. O artista canta o testículo; as prostitutas; uma adaptação de uma melodia agora dedicada a Ricardo Quaresma, explicando que não se trata de racismo nem de xenofobia, mas exactamente do contrário… Acerca da canção sobre a pedofilia com a avó, é menos detalhado nas explicações prévias.

Comigo está o homem dos livros, o meu grande amigo que descobre as obras mais preciosas, raras e perdidas, e faz com que cheguem a minha casa.


















Desta vez, conseguiu encontrar um volume com a parte que me faltava d’A Ressureição”, do aclamado Leo Tolstoi, que já se encontra nas minhas mãos.

A expectativa é grande. No dia seguinte vai à Feira da Ladra, em busca de mais relíquias sem preço, pelo que a minha casa lhe parece um bom ponto de paragem. Como irá reagir a minha Amélinha, aliás, “Gáata!”, que nunca viu este meu querido amigo?!

Algumas cervejas depois, entramos em casa, já de madrugada. Pela primeira vez desde que faz parte do meu mundo, a Gáta não foge nem se esconde perante alguém com quem nunca se cruzou. Anda por ali, à nossa volta, sem medo do meu intelectual companheiro.

Fumamos e deitamo-nos. Na manhã seguinte, ouço um leve ruído, mas não o vejo. Após sucessivas buscas, encontro o meu livresco camarada fechado na sala, a tomar o pequeno-almoço. O Jeremias, o meu ronronante gato-cão, não dava descanso à caixa dos cereais e ao pacote de leite, de maneira que ele teve que se refugiar e enclausurar ali, para poder engolir a primeira refeição do dia.

Passado pouco tempo, o homem dos livros, que hoje não tem que dar assistência aos seus alunos, já que é sábado, vai à sua vida, em busca de preciosidades de papel amarelo e roído pelas décadas. Antes de sair, a habitualmente esquiva e fugidia Gáta ainda o deixa fazer-lhe umas festas…

sexta-feira, 28 de julho de 2017

AS REDACÇÕES DA GUIDINHA: O CAVALO, por Luís de Sttau Monteiro


Pelo Humor de Deus!


"o cavalo também é bom para bifes mas a minha mãe diz sempre que são de vaca porque senão a Vovó não come lá porquê não sei porque come fressura e isso é que eu comia nem que lhe chamassem lombo de vitela"


O cavalo é um bicho que tem quatro patas e carroça mas há cavalos que não têm carroça porque fazem corridas mas quem leva a taça são uns homens pequeninos que andam em cima deles e há os cavalos das touradas e o senhor Francisco que o meu Pai diz que é o maior cavalo que ele alguma vez viu e os cavalos dos cow-boys que conhecem os assobios dos donos e salvam-nos quando os índios os estão a matar e o D. Afonso Henriques tinha um cavalo porque os reis andavam a cavalo só os presidentes é que não sabem montar e nas batalhas o rei D. Afonso Henriques ia todo vestido de rei que é um fato de lata e entrava à espadeirada aos inimigos que fugiam dele não sei porquê e o cavalo também é bom para bifes mas a minha Mãe diz sempre que são de vaca porque senão a Vovó não come lá porquê não sei porque come fressura e isso é que eu não comia nem que lhe chamassem lombo de vitela o cavalo tem pêlo curto e faz uns pupus que parecem pastéis de bacalhau mas não são e por isso é que é preciso ter cuidado porque se uma pessoa se engana pode ficar atrapalhada uma coisa que eu sei é que há uns cavalos que têm o rabo penteado aos quadradinhos esses são da Guarda Republicana que é uma guarda que quando os cavalos morrem corta-lhes os rabos para usar nos chapéus também sei que os cavalos não põem ovos o que é uma pena porque se pusessem um ovo estrelado ele dava para uma família inteira mas há nos cafés uma coisa que se chama bife com um ovo a cavalo e está-se mesmo a ver que o bife é de cavalo eu sei porque o meu pai levou-me a comer um num café e tinha muito molho e muitas batatas o que tinha era pouco bife os cavalos são mamíferos porque mamam mas não sei aonde já as espreitei e não as vi se calhar ficam debaixo do selim outras coisas que os cavalos têm é umas palas do lado dos olhos para não verem para o lado se as pessoas também tivessem não viam as montras e as coisas não se vendiam cada vez há menos cavalos e é pena porque eu gosto de os ver fazer pupus como pastéis de bacalhau coisas que os eléctricos não fazem eu não sei porque é que me mandaram fazer esta redacção de cavalos são lá coisas do director da escola que se chama Pires e tem manias mas já está feita só falta um parágrafo para encher o espaço todo


cá está ele

e mais um

e outro

e mais outro

e acabou-se


in, Redacções da Guidinha (1969-70) Ática, 1.ª ed., 1971, Amadora, pp. 35-8 


quarta-feira, 26 de julho de 2017

A METAMORFOSE CÉREBRO-GRIPAL ( VI, VII, VIII )



Diário do Doutor Araújo Mil Acres, médico cirurgião da palavra mais estranha.





6. OS SACRIFÍCIOS DE UM MÉDICO
(diário camoniano mas à prova de água)










…ao diário então voltei,

doente, débil
molestado pela agonia
enfraquecido, pelas febres comido
de dia para dia
em noites de demência, medo e diabrura,
que aquele diário me pareceu só fel e amargura
como um diário de bordo
do bom, do mau ou de quais
isso não o sei,
de tão enjoado estava e enojado
que o estilo desenhado
da minha própria caligrafia
me lembravam ondas e balanços,
terríveis fedores de lodaçais podres
em horas de maresia
que para ser auxiliado
nesta demanda de cruzado
o gregório chamei

e nos joelhos e na púbis e no abdómen e nos cotovelos
com a tromba com a testa com a próstata e tornozelos,
às vezes e vezes e sem conta mais ainda vezes encostei
na coberta apostei, implorei, vomitei, agonizei, enfim, regurgitei
cantando,


cantando muito, assim:

               Gregóooooorio… do Grego
               Gregóoooorio… no rio
               Gregóooorio… tão frio
               Gregóoorio… notório
               Gregóorio… caí
               Gregório… de grogue
               Regório… a fio
               Egório… of poached eggs
               Gório… velório?
               Ório… fodi
               Óri… p’ra ti
               Ór… as e horas
               Ó… Gregóooooorio !!


mas ao vómito gripal sobrevivi.




7. RECEITA PARA DAR VIDA A UM GREGÓRIO
(o novo ser mitológico)



fosse indigesto, torpe, mesquinho e cruel, 
o famoso Pantagruel,
me recomendasse uma “Massada Vil
au Camarão do Tejo Caril”,
ou um bechamel em infectada
“Tainha Sodré Recheada”,
e, de modo algum um dia,
em tão maus lençóis cairia
como enquanto naquela coberta batia,
às portas da mitologia…

…Portuguesmente se sinta
e Almadanadamente se pense
que o Gregório se tornou gente.





8. ALGUNS ANOS LUZ MAIS TARDE
(na continuação do episódio anterior)

E foi aqui em Portugal
em tempos de epidemia
metamorfósica cérebro-gripal
que, topessecretamente documentado pela generosa CIA,

aquele a quem chamavam “vomitado”
e que simplesmente consistia
no acto de de dentro de nós ser lançado
e pelos ébrios jovens da época se via
agora terrivelmente alcunhado
nas bordas de qualquer pia
por Gregório, o Mal-amado,
que esta figura da mitologia
se viu finalmente nado.


Consiste simplesmente
num ser que, felizmente,
não fala e nem sequer mente
apenas se desenvolve em ácidas entranhas
enquanto gera indisposições estranhas
como se pelo esófago hospedeiro trepassem aranhas
obriga a vítima a contínuos movimentos peristálticos
incessantes desenvolvimentos nevrálgicos
contínuas convulsões lamentos terríficos
mas, contudo, por assim dizer,
após do suado corpo da vítima se ter auto-expelido
fêmeas houve que o oscularam gritando “marido”
e machos fortes lhe chamaram: “filho querido”,
que este gástrico ser imediatamente se convenceu
face aos narcísicos mimos de todo aquele que à luz o deu
que o velho Gonduana e Mundi podia ser todo seu.


Araújo Mil Acres (12.1999)


segunda-feira, 24 de julho de 2017

PÚDICO vs. PÚBICO vs. PÚBLICO ( Je Suis WC, Porto)

O pelo classifica-se em três categorias distintas: 
pelo púdico, pelo púbico e pelo público.

O púdico perdi-o lá pelos dezoito; 
o pelo púbico perco-o desde os doze; 
pelo público só durante os dois anos que fiz naturismo.
Perdido o pelo, perdido o costume. E a ética e a moral. 
Sem o pelo já ninguém distingue o púbico do público do púdico. 

O fim de uma inteira civilização às mãos das cabeleireiroesteticistas 
e suas faixas de cera fundida a quente.




"E tudo a água levou."
Café "SATÉLITE", Porto




Pedro deCampos (8.2.2017) in "ApontaMentes"




W.C. FIELDS vs. WC CAMPOS ( Je Suis WC, Hollywood )

Há o W.C. Fields, o escritor americano, e o WC Campos, que sou eu na retrete. 
Nunca li nada do W.C. Fields mas ele também nunca esteve na minha casa de banho.







Bertold Brecht:

"Lugar de sabedoria onde podes com lazer preparar a tua pança para muito outro prazer."






Pedro deCampos (8.2.2017) in "ApontaMentes"


terça-feira, 18 de julho de 2017

A METAMORFOSE CÉREBRO-GRIPAL ( IV, V )



Diário do Doutor Araújo Mil Acres, médico cirurgião da palavra mais estranha.





4. DIÁRIO DOS SACRIFÍCIOS DE UM MÉDICO
(prováveis implicações no reino animal)


foto NUNO REALINHO (Projectos SuReal) 





















…edifiquei eu então,

em plena indisposição e mal-estar
porque da doença infeliz
para melhor estudo eu me fiz,
alvo, cobaia, hospedeiro ou lar,
um Majestoso Diário
utilíssimo à humanidade:
do bisonte ao rinoceronte
do símio ao hominídeo,
do jacaré ao chimpanzé,
grandes e estranhas alterações
com genéticas repercussões
nas respectivas evoluções
porque todos aplaudiram de pé

e nunca mais se esquecendo
de como a mão solta dá um certo jeito
e o polegar oponente
permite ser tão diferente
e um dedo indicador
tão nervoso e com fervor
pode com facilidade disparar
tiros de carabina para o ar,
foi assim que a fauna animal
passou a viver menos mal

porque seu predador principal
de caçador a presa passou
e em perigo de extinção entrou.

Animais e plantas unidas
jamais serão vencidas
na luta que vão travar;
querem regras decididas
leis que preservem vidas
para o ser humano salvar.




5. REGULAMENTAÇÃO SELVAGEM
(alguns artigos para salvar a humanidade)
























Artigo 1º : Crânio-Missanga

Fica proibido o elefante,
(o mais trombudo dos paquidermes
o menos leve dos terrestres animais),
de os humanos tratar como vermes
ao, egoisticamente, se embelezar
com seus crânios mirradinhos
tal e qual missanga azul-mar
em pulseira, aliança ou colar.

Artigo 2º : Palito-Mindinho

O segundo dos artigos
ao gorila é dedicado
para abolição natural
de a velho costume habituado;
desenraizar da cultura símia
o paliteamento do dente
sempre que executado
com mindinhos de gente.

Artigo 3º : Pilinha Afrodisíaca

A qualquer rinoceronte branco
ou aos cinzentos também dirigido,
sobre os míticos afrodisíacos
recaíu a temática deste artigo.
Que viril seja por si mesmo e só,
se reclama ao pré-histórico animal;
desacredite, doravante, a pilinha tenrinha
como alimento da tesão fenomenal.

Artigo 4º : Tenros Petiscos


Proíbem-se todos os animais
e também os carnívoros vegetais
de para sempre se delamberem
com certos petiscos como tais:
todos aqueles cujo ingrediente
seja considerado incorrecto
por consistir ou apenas derivar
do humano e tenrinho feto.

Artigo 5º : E Da Ova Se Fez Peixe

Se da ova de todo o peixe
o homem apreciador se fez,
será muito grande esta lição
(um dar da face à malvadez)
se se convencer o terror dos mares
que dá pelo nome de tubarão
de chiar orgulhosíssimo:
“Mais mulheres grávidas não!”

remotas histórias de eras esquecidas
que por vezes convém relembrar.



Araújo Mil Acres (12.1999)


segunda-feira, 17 de julho de 2017

VAMOS TRANSFORMAR AQUELAS MONTANHAS EM ESCOLAS, por Vasco deOliveiraVentura


Cronista Sem Abrigo

"Onde se abrigam as crónicas sem abrigo." 

Tinha havido um horrível atentado no Paquistão, levando à morte de dezenas de pessoas. A meio da conversa, o tema foi introduzido e o rapaz de 20 anos soltou uma exclamação. “Fogo, essa gente está sempre nisso, não sabem fazer outra coisa? É impressionante!”.

Fiquei a olhar para ele e tentei explicar racionalmente (com um ar provavelmente irritante): São países que vivem na miséria económica e política, que passam boa parte do tempo em guerra, ou em guerras… Mas a maioria dessas populações, se as deixarem, farão a sua vida normal quotidiana, trabalhão, irão à escola, nascerão, viverão, amarão, percorrerão uma existência normal, se isso lhes for permitido.



Fiquei a pensar em alguém que me disse que basta ir a Varanasi, na Índia, para perceber que a vida não vale nada. Que uma existência humana vale menos que a de uma vaca… Que não somos nada.

Há um livro biográfico, que relata uma história verdadeira e se chama Três Chávenas de Chá. É sobre um norte-americano, que, de estudante a alpinista, de montanheiro a aventureiro, acaba por dar consigo a construir uma escola no Paquistão, nos anos 1990. E depois outra, e mais outra. Cinquenta e cinco. Especialmente dirigidas para as meninas, as raparigas…

No mesmo país que viu nascer e prosperar os talibãs e a Al-Qaeda, que odeiam a liberdade, subjugam, dominam e espezinham as mulheres. Quando Greg Mortenson, autor e protagonista da história e do livro, se decidiu a construir a primeira escola, não tinha um tostão. Tinha que viajar para o Paquistão, comprar material, contratar uma equipa e pôr de pé uma escola. Era uma, mas acabaram por ser 55. E dar origem a uma das mais importantes obras humanitárias das últimas décadas.

Não me lembrei de contar isto ao rapaz de 20 anos com quem conversava sobre o Paquistão. Mas posso garantir com toda a certeza que com este livro todos nós temos imenso a aprender. Acaba com um homem daquela região do Mundo a dizer a Greg qualquer coisa como: “Estás a ver aquelas montanhas de pedra? Vamos transformar aquelas montanhas em escolas”.


in, http://cronistasemabrigo.com/index.php/2016/06/04/vamos-transformar-aquelas-montanhas-em-escolas/


sábado, 15 de julho de 2017

A METAMORFOSE CÉREBRO-GRIPAL ( I, II, III )



Diário do Doutor Araújo Mil Acres, médico cirurgião da palavra mais estranha.












1. O MESTRE E AS CRIATURAS VINDOURAS
(uma formação realmente espontânea)

Mergulhei de boca e lápis pelo papel


Segundo e seguindo Agapito
(nome comum ilustríssimo)
de Benevides e Campos
(próprios nomes desse gentil senhor finíssimo)
tão imprestável doutor e especialista
da protestável Portuguesa clínica generalista
que homem útil à ciência, verdadeiramente
diga-se que o foi realmente
apenas em especialidade alguma
será como dizer
objectivamente e em suma
evidentemente em coisa mesmo nenhuma...




foto SANDRA GONÇALVES, in FB (26.6.2017)








2. MEMÓRIAS PRIMAS
(nostálgicas recordações)


... prescrever

em tão bom tempo e tão bem
porque também e até muito bom generalista sou
apesar de ternamente ser
um mero e interessado discípulo seu

(tal qual Alexandre Heleno do Ó Grande,
do mestre Aristóteles das Tangas e Togas Toscas,
que lhe pôs a mesa usando na mão direita um mata-moscas
que a esquerda apenas toca um vinho e experimenta
com sandes de guisadas carnes de peito lisboeta
insistindo o velho e alucinado sábio para que
fervorosamente ao cérebro o tinto arremeta)

prescrever

declarações, alterações e inovações amiúde
registos escritos, rescritos e gravuras
que se o clima mediterrânico meu raciocínio não ilude
por mais que a menina medicina hoje em dia mude
olho eu como actuais essas páginas com iluminuras.

São textos tão dengosos
com arrastados odores melosos
deitados ao papel de receita
cuja caneta já lhe é tão afeita
com tinta chamada permanente
escorrendo de um paro incontinente
em funestos actos caligráficos
de formas e conteúdos sádico-gástricos...





3. A METAMORFOSE CÉREBRO-GRIPAL
(diagnóstico precoce e amor pela ciência)


Que então diagnostiquei eu


a Metamorfose Cérebro-Gripal
em adoentado tratado medicinal
para quem não bate bem ou mal
do foro freudiano-sexual e
querendo combater tão vil verme gripal
mais pestilento que meu sogro Juvenal
li já escrito num reles jornal
(erro salvo se não foi n'A Capital)
que para tal dever-se-ia viajar até ao Senegal.
Notícias de um país idiota bem real
onde se mata por um SG Genital
gérmen nicotinoso para catarro matinal
é pipi pito pitoada toada pitada salgada de tão pouco sal
na nossa vidazita social
encarcerados num orifício cavernal;
Vê-me por favor num negro dicionário abissal
que tipo de cal é essa tal cal
que vem cegando de modo letal
um povo que já lá vão anos e anos a ver tão mal.

Malentendus à parte
no concernente a outras viroses e achaques
achei por bem para todas as partes
revelar ao mundo,
de Cicrano e Beltrano
de Blimunda e Segismundo
casa de todos nos no fundo,
da Metamorfose Cérebro-Gripal
tudo tudo e mais do que tudo:

definições
clínicas manifestações
possíveis complicações
prevenções
e terríveis conclusões

sua etiologia
tua patogenia
nossa patologia
deles epidemiologia

sintomas subjectivos
objectivos sinais
prognósticos efectivos
diagnósticos e algo mais

pelas páginas de um diário diário.

Araújo Mil Acres (12.1999)


A METAMORFOSE CÉREBRO-GRIPAL



Diário do Doutor Araújo Mil Acres, médico cirurgião da palavra mais estranha.



Este "Diário do Doutor Araújo Mil Acres", segundo o próprio cirurgião, foi escrito em apenas dois dias e durante uma gripe em febres altíssimas, sem antipirético que lhe valesse. Em dezasseis entradas não datadas, com verso branco ou rimando, o físico fez da escrita seu antibiótico e, quer crer, eternizou-se nos finais do ano de mil novecentos e noventa e nove. 

- Mas mais no espaço que no tempo... e mesmo assim só um miligramazinho. - Confessou-nos esta sumidade universal em verborreias agudas.

Araújo Mil Acres (12.1999)


A METAMORFOSE CÉREBRO-GRIPAL (P4)


A METAMORFOSE CÉREBRO-GRIPAL (P3)


A METAMORFOSE CÉREBRO-GRIPAL (P2)


A METAMORFOSE CÉREBRO-GRIPAL (P1)


NO TEMPO DAS CAPAS GORDAS > 7


LiteraDura de PAREDE < 7


segunda-feira, 10 de julho de 2017

TRUMPPOESFERA


há a tromba elefantina
a tromba carrancuda
e a trombada
(linguaruda)

há o trombo encefálico
o trombo da flebite
e a trombose
(dinamite) 

há a trompa sonoplástica
a trompa de falópio
e o trompázio
(estereoscópico)

há o trump sem abrigo
a trampa na calçada
e o trumpacéfalo
(cacaborrada)

há o allegro ma non troppo
o alegre mas não trôpego
e o alegrete
           (no trombil)

Pedro deCampos (8.2.2017) in "ApontaMentes"



quarta-feira, 5 de julho de 2017

RECOMPENSA

recompensa o rasgo umbilical
que te impuseram à nascença 
mas lamenta o frio a fome e o cio
e a ofertada indiferença


aguenta o sal no lago dos olhos
engole a irritação imensa
mas relembra tua sede nascente
que só o todo se lhe aparenta

atenta bem no corpo da besta
a mecânica da rude ofensa
e remenda seu prumo e sorte
no nível da áspera diferença

rebenta sim mas só por dentro
e comove o espírito na doença
mas alimenta na carne o grito
que te proibiram à nascença

ou implodirás todo gasto na contenda
gargalhando tiros no passaporte
que do teu sangue já viajaste um litro

e deste a tua vida deste a tua morte.

Pedro deCampos (2.7.1999) in "PisaDuras & ArDores"


segunda-feira, 3 de julho de 2017

CHAVAL, por Alexandre O'Neill


caricatura por Paulo Fernandes
Entre o Bem e o Mal,
cresce a borbulha na cara do chaval.

O chaval ainda não sabe
que a barba,
bem ou mal
feita, é uma banalidade
matinal.


in, De Ombro na Ombreira (1969) reunido em Poesias Completas,  Assírio & Alvim, 5.ª ed., 2007, Lisboa, p. 264


Pelo Humor de Deus!