Diário do Doutor Araújo Mil Acres, médico cirurgião da palavra mais estranha.
9. REIVINDICAÇÕES DO POVO GREGORIANO
(implicações no mundo moderno)
Diz o classificado e anedótico dossier
pela estadunidense putaria denominado
“Nova e Viva Mitologia Portuguesa”
ou “Como Salvar A Mitologia em Portugal”
e ainda “Um Vomitado À Beira Mar Plantado”,
que o mundo gregório se sindicalizou
numa dita dura do vomitado
gregórios de todo o mundo, uni-vos
num grande esforço à pestilência dedicado
escorrendo pastas arroxeadas pelos bairros mais finos
num excremento pela nata exalado
uma pasta pelo neo-liberalismo criada
uma papa pela madre igreja abençoada
uma mistela pela ignorância nada
um caldo pelo silêncio apodrecido
um liquor pelo maus tempos enriquecido
um sapo pelo povo deglutido
crosta pelas artes cagada
amalgama azeda por políticos escarrada
sentença amarga pela justiça afagada
massas orgânicas do vinho putas
sangrando pedaços de órgãos clonados
cores dançantes mirabolantes atraentes
mágicas doces borbulhantes ferventes
vivendo-se
escorrendo-se
arrastando-se
exalando-se
avenidas quaisquer
cidades também
países imundos
continentes profundos
neste, naqueles, aqueloutros e todos mundos
castrando
até serem comidos por 1 bobi
figura principal
actor irreal
protagonista fenomenal
da fita animal
os 101 bobis
do realizador Alfacinho-carioca
sobrinho-neto de José Sarney
(também dentista afamado
travestido e disfarçado
e em futebol de praia cursado)
Valter Dizenei
10. DOUTOR ARAÚJO MIL ACRES
(uma saga gregoriano-familiar - o conflito geracional)
…enquanto isso:
julguei-me eternamente bafejado pelo infortúnio
no árduo papel de encarregado de educação,
porque ao entrar o quentinho do lar
e no meu aconchegado ninho me preparar
para amadurecidamente repousar,
ainda não havia deposto a gabardina,
nem afagado a doméstica siamesa felina,
e logo me deparei com a missiva chocante
do ingrato adolescente inconstante.
“Filho do demo”, apetece dizer
depois do mísero recado ler
“endiabrado vomitado, sejas tu
por um autocarro atropelado
num carril de eléctrico electrocutado
e muito muito pelo povo espezinhado
arrastado e humilhado em pleno Chiado”.
Apetece mil vezes mil repetir
e sem apelo nem agravo retorquir
com duzentos açoites e outras tantas bofetadas
os sacrifícios, os desgostos, as noites inflamadas.
Escrevinhei de pena em riste
(notando-se a lágrima no papel
com algum sal na percentagem de fel)
germinei um capítulo triste
de modo verdadeiro e fiel
mas resguardando o conteúdo da carta
da pobre Mãe, mulher tão farta
e propensa ao crítico enfarte
uma espécie de forma de arte.
E assim ficou:
“Pai:
A mãe já não está
bem nem mal; passada.
É como ela está!
Saiba-se porquê?
perguntará vocemecê
que se seu diário tão amado
a ela não furtasse o mais desejado…”
“Novos caminhos pretendo desbravar,
construir oceanos só meus
marés das entranhas saídas, decerto
mares que ninguém conhece, é certo,
dar-me ao céu e às descobertas
no alto mar da agonia
e nas lustrosas madeiras da coberta
saborear uma placenta, chorar uma cria.”
“Sentir nove horas neste estômago
um vómito enjoado
e comungar enojado
satisfazendo-me realmente
ao cuspi-lo eficiente.”
“Lembre-se da minha plumagem, meu pai!
Recorde o luzidio roxo e o verde tão lindo!
Comemore os nossos anos de oiro
em que o bobi dava o coiro
para me chupar com uma palhinha
para me engolir via oral
muscular ou intravenal.”
“Deixe-me ir com a paz, velho amigo!
Pense que o meu baptismo já não é de agora
reparando naqueles que hoje sigo
e pelo nome tão mal cotados lá por fora.
Quero ir para outros invólucros…
ser engolido e deglutido novamente
que me cansa esta simplicidade redutora
elevada a modo-vida da gente.”
“Vou para a América latina
para lamber uma latrina.”
“Não me insulte
nem me maltrate.
O senhor que se diz escritor
de toda a sabedoria detentor
que nem um diário consegue acabar
não vê que se está a metamorfosear?
Venha comigo
seja o elo que as espécies une
vamos cantar ao mundo
num dueto intune
as possibilidades da técnica
as boas novas da evolução genética”
“A Deuses”
Confesso:
Fundeando bem a alma
dragando bem todo meu íntimo
também eu derramei meu sal
lacrimal, seja dito,
sobre o crocodilo do Nilo;
se um funil tivesse à mão
recolheria o meu vasto lamento
escreveria uma bonita canção.
A canção do lamentável pai:
“Não partas filho
não partas por esse caminho
não partas criança
não partas o coração ao pai
não partas rebentinho
os cornos à tua mãe
de dor e preocupação
de medo e consternação
não te juntes à dita dura
não abandones a cura”
Nunca adentrei pelas tabelas nacionais
com a lamentosa e melodramática canção;
nunca fui itpareide do meidim Portugal
nem se seleccionou para qualquer festival.
Araújo Mil Acres (12.1999)
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